sábado, 31 de julho de 2010

Os Cus de Judas - António Lobo Antunes

Não é por acaso que hoje vou escrever sobre "Os Cus de Judas" de António Lobo Antunes, decidi e mantenho a decisão de ler a obra toda, por ordem como alguém disse que devia fazer. Mas, permito-me um intervalo a seguir para ler outro livro e depois virá "O Conhecimento do Inferno".

Quem leu o livro " E tudo o vento levou" de Margaret Mitchell sabe que o mesmo tem como pano de fundo a Guerra Civil Americana, sabe ainda que a mesma foi travada por diferenças entre o Norte e o Sul, os do Norte queriam a liberdade dos escravos e os do Sul queriam que os escravos continuassem escravos.

A determinada altura do livro, um dos personagens pergunta a outro, se afinal existirá razão para aquela Guerra existir? Não seria mais fácil simplesmente vender os escravos? E assim evitar todo o horror que a guerra causava ao país? A resposta, ainda hoje me parece uma verdadeira verdade absoluta e aquela que servirá tanto para esta guerra como para todas as outras: Os Homens gostam de Guerra, têm-lhe mais amor do que a qualquer rapariga bonita."

Também o nosso narrador pergunta porque existe a guerra, porque tem ele e os seus camaradas de estar desterrados nos cus de judas, longe da família, longe dos amigos, longe da vida que sempre conheceram. Lobo Antunes, faz questão de frisar que se passaram anos e ninguém fala desta guerra. E fazendo um pequeno passeio pela minha memória, isso é bem verdade. Quantas vezes ouvimos os velhotes dizer que no tempo de Salazar não acontecia isto e aquilo? E da guerra? Porque não falam eles dessa doença maldita que lhes roubou os filhos, estropiou os amigos e os viu a irem de "assalto" para a França? Talvez porque ela nunca tenha existido, talvez seja uma espécie de conspiração governamental e os militares que por vezes aparecem na televisão são apenas dementes que falam de coisas sem sentido.

Se em "Memória de Elefante" a escrita é bastante fragmentada e o Lobo me fez sentir que entre esta cadeira onde me sento e escrevo esta opinião até à porta do meu quarto cabe todo um mundo de memórias, aqui isso já não é tanto assim. Alguém solitário, terrivelmente solitário, encontra alguém num bar, e qual demente, começa a falar dessa guerra da qual ninguém fala, da sua vida nos Cus de Judas. Sentimos o cheiro dos eucaliptos, vemos o capim surgir no chão, as casas a transformarem-se em cubatas, as mulheres e homens na sua maioria são negros e os que não são usam uma farda. É assim porque este homem é um mago das palavras.

4 comentários:

Menphis disse...

Parabéns pelo post.Conseguiste demonstrar claramente a essência da obra.

Quanto à guerra, concordo contigo, ainda existem muitas feridas abertas e muita gente tem medo de as remexer, o que acho inaceitável porque as feridas curam-se com álcool e esta guerra, e as doenças que dela deu origem, não curavam, mas sim atenuavam se as pessoas falassem da verdade de uma guerra estúpida e que tanto mal fez ao nosso país.Tive dois tios que combateram sem saber na guerra, e vieram doentes,parece que se tem medo de dizer o quanto foi injusta e má esta guerra.

Menphis disse...

Eu fiz um comentário e não apareceu LOL...será que eu não o enviei ?

Madrigal disse...

obrigada, pelas tuas felicitações. Os livros mais dificieis de comentar são sempre os do Lobo! lol
ainda há umas semanas falava com uma formadora do meu curso sobre os pedidos de desculpa. ela dizia que os alemães pediram desculpa, acho que era pelo holocausto, e ela disse que nós nunca tínhamos feito nada de semelhante...

Ana Maria de Portugal Lopo de Carvalho disse...

Parabéns pelo Blog..
Gostava de o revisitar quando precisar uma conversa mental
Abraço
@n@m@ri@